Os Outros: das sombras à luz

Os Outros: das sombras à luz

O que sentimos? O que ouvimos? Existe vida após a morte? Estamos sempre em contato com os finados ou somos meras vítimas de aproveitadores? Casas mal assombradas, mortos vivos e crianças videntes são elementos sobrenaturais que fazem parte dos roteiros de suspenses desde os anos 1920, quando Robert Wiene dirigiu O Gabinete do Dr. Caligari.

Nas últimas décadas, antigas religiões perdidas, crendices, mitos e tradições sombrias se tornaram temas recorrentes do gênero. À primeira vista, o filme Os Outros segue essa premissa e deixa indícios de ser um suspense comum sobre um tema igualmente comum.

Não obstante, a película de Alejandro Amenábar tenta apresentar o outro lado da parapsicologia. Em uma história bem esboçada, cada personagem tem constituição psicológica e executa papel decisivo para o desenvolvimento da trama.

O parapsicólogo Benjamim Bossa em seu livro “Parapsicologia: o poder da mente e os mistérios da vida” explica que ruídos, vozes e possessões são manifestações da mente e, raramente, essas revelações podem ser percebidas de forma semelhante por várias pessoas.

Essa relação entre vivos e mortos parte mais da incompreensão do próprio estado do que da tentativa de eliminar almas que estão em planos diferentes.

Trata-se de um suspense psicológico, não baseado em sustos nem cortes rápidos. Os Outros busca um estilo limpo de constituição de um filme, delineando todo o suspense da obra a partir do roteiro. Grace Stewart (Nicole Kidman) mora em uma antiga mansão com os dois filhos Anne (Alakina Mann) e Nicholas Stewart (James Bentley). Ambos possuem uma doença que os torna sensíveis à luz, o que obriga Grace a manter todas as cortinas fechadas.

Revelações estranhas começam a acontecer a partir do momento em que a Sra. Bertha Mills (Fionnula Flanagan), o Sr. Edmund Tuttle (Eric Sykes) e Lydia (Elaine Cassidy) oferecem seus serviços na casa, quando tudo indica que há outras pessoas na casa. O breu total, a doença dos filhos e a ausência do marido que não retornou da guerra não deixam alternativa a Grace, a não ser rezar.

A originalidade está na forma do diretor em conduzir o trabalho. Uma direção mais leve, sem tantos cortes secos, que destaca o roteiro e as atuações. O desfecho é interessante, todavia, não é o primeiro já visto no gênero.

Almenábar se aproxima dos filmes de Alfred Hitchcock, onde o suspense é estruturado a partir de jogo de perguntas e respostas para a construção do sentido no final da trama, contudo, a edição não permite muitas idas e vindas pela história. Há uma crescente emocional e as reviravoltas da história desestimulam a curiosidade e tornam o espectador muito passivo, mais interessante seria se ele pudesse conjeturar as causas.

Os efeitos especiais são escassos e o suspense está no desenrolar da trama, sem a edição rápida e tecnologia, usados para causar medo ao público. Não há muita liberação de adrenalina nem expectativa intensa e o espectador tem tempo para ruminar a história.

Se os criadores confundissem mais e desconstruíssem a narrativa, o aspecto emotivo poderia ser mais bem estruturado e surpreender em sua totalidade.

A fotografia é espetacular e brinca com os conceitos do claro e escuro, viabilizados pelos ambientes internos e externos da casa, cuja iluminação sombria favorece aos filmes de suspense. Falta ousadia à edição, cuja linearidade não se adéqua aos saltos do roteiro.

Atuações firmes, completadas pela simplicidade da trilha sonora e da maquiagem. A cenografia merece destaque. Quartos escuros, lençóis brancos e portas que rangem são utilizados de forma criativa, não para dar sustos tão somente, eles fazem parte da história do filme.

Em termos gerais é um bom filme, acertado do início ao fim, que ultrapassa os clichês dos suspenses contemporâneos. O conteúdo diferenciado soa como uma evolução no gênero que não chegou às vias de fato.

Um bom trabalho que ficou pelo meio do caminho, entre o suspense comum e um filme realmente estruturado. Parece ter saído das sombras, mas ainda não chegou à luz.