Já deu para perceber que a freguesia do Café dos Andes é bastante fiel. Uma parte disso se dá pela qualidade do serviço. Entretanto, o que realmente leva, quase que hipnoticamente, os clientes a colocar o cafezinho na rotina é a liberdade de expressão.
Nesse pequeno mundo, os sonhos não são destruídos. A loucura é permitida e todos aceitam as estranhezas uns dos outros.
Dentre todos os frequentadores do estabelecimento, o mais criativo é, sem dúvida, O Escritor. Trata-se de um jovem adulto de uns 30 anos, que começou a escrever crônicas e, como a sua mãe gostara dos textos, colocou na cabeça que vai escrever um livro.
O café é seu ponto de inspiração. Pelo menos três vezes na semana ele passa por ali e toma um Duplo Sem Açúcar. Sempre sozinho, em uma mesinha num canto escuro. Às vezes se vira para o lado e comenta algo com a cadeira vazia, à qual costumou chamar de Agenor.
O Escritor passa horas lendo e rabiscando nos guardanapos, elaborando diagramas, estudando arquétipos e observando. Influenciado por sua biblioteca, recheada de livros de detetive, ele já descobriu algumas verdades – e muitas mentiras – sobre os frequentadores do Café dos Andes. Sabe, por exemplo, que a velhinha que costuma se sentar ao lado do Seu Altair está roubando a porcelana do lugar há anos.
Mas ninguém dá muita importância, já que fora ele quem espalhou boatos de que a garçonete era bissexual enquanto ela é apenas homossexual.
Nunca pagou um café sequer. Nem uma gorjeta. Quer dizer, ele paga com trabalho. Ao sair, deixa dois guardanapos com um poema.
No início, isso irritava o dono do café, mas agora ele já supera o prejuízo e conta com a promessa do jovem de compartilhar os lucros quando tiver uma obra publicada. Bem no fundo de seu raso conhecimento literário, o Seu Hiroshi acredita no talento do garoto.