Uma História Para Sofia – Aquilo e as estrelas

Uma História Para Sofia – Aquilo e as estrelas

Esta história começa como muitas outras. Com uma criança, chamada Sofia, olhando para o céu e observando as estrelas. Só que tem um problema. A cidade onde a criança mora não tem estrelas. Há mais ou menos uns dez anos, todo mundo que morava ali perdeu a habilidade de enxergar os pequenos pontos iluminados. Eles até trouxeram cientistas e pesquisadores de outras cidades para investigar o caso. Contudo, como ninguém se machucou e, no fim das contas, ver ou não estrelas não mudava a vida das pessoas, todo mundo voltou à sua rotina, trabalhando, estudando e, depois de alguns meses ninguém nem falava mais no assunto.

Uma única vez, os pais de Sofia lhe contaram como eram as estrelas. Falaram de como era legal quando uma estrela cadente aparecia, sobre quando eles faziam pedidos e acreditavam que suas vidas iam mudar. Era só desejar com muita vontade. Porém, essa história já estava quase sendo esquecida.

Sofia nunca viu uma estrela. Mesmo assim, ela sabia que tinha coisa errada. Ela estudou tudo sobre natureza, planetas, fenômenos sobrenaturais e nada. Nem uma explicaçãozinha sobre o que havia acontecido.

Noite após noite, lá estava a menina, olhando para cima e esperando por uma resposta. O que ela via? Apenas a escuridão.

Quer dizer, via escuridão até uma noite de terça-feira, quando uma pequena luzinha piscou. Ela coçou os olhos para se certificar que estava enxergando direito. Sim! Sofia estava mesmo vendo um pontinho brilhante sobre ela. E, de repente, a luzinha se mexeu para a direita, e para a esquerda, e para a direita novamente. Sofia pensou: “É assim que funcionam as estrelas? E se eu fizer um pedido para todas elas voltarem?”. Ela precisava ir até onde estava aquele pontinho de luz. Sofia saiu de seu quarto, abriu rapidamente a porta de casa e foi até a rua. A luzinha continuava lá. Se mexendo. Indo embora.

Sofia não podia deixar isso acontecer. Então, ela correu. Correu muito. Pelo asfalto, pela grama do quintal do vizinho, através do roseiral da Dona Mariana. Seus tênis vermelhos foram ficando marrons, cobertos pela lama. As casinhas, todas iguais, que mais pareciam caixinhas, deram lugar às árvores do bosque da rua de trás. E ela corria. E a luz fugia. Era o pedido de Sofia indo embora.

Até que a luz parou. A menina, com o coração acelerado de emoção e pela corrida, também parou. Sofia observou a luz brilhar até ser engolida.

A luz foi engolida por um sapo. E Sofia descobriu que não era estrela coisa nenhuma. Ela adorava estudar os animais e já conhecia os hábitos de mais de 200 deles. Sabia até que, apesar de botar ovos, os ornitorrincos são mamíferos. Mas, nesse momento, todo esse conhecimento não a ajudaria em muita coisa. Porque tinha uma coisa muito importante que ela não havia estudado. Ela não tinha estudado sobre como sair do bosque.

Sofia olhou por todos os lados. Estava cercada por galhos, folhas e raízes. Então, ela gritou.

Ela gritou até ficar rouca. Ninguém ouviu. Ela gritava, respirava, e voltava a gritar. Chamava por sua mãe, por seu pai e nenhum sinal de resgate. Seus gritos pareciam ecoar por entre as cascas das árvores. Ela parou. Os gritos continuaram.

Sofia viu que não era a única que precisava de ajuda. Não era um grito, na verdade, parecia mais um urro de dor. A cada urro, um brilho azulado iluminava algumas árvores que estavam mais à frente. Ela caminhou nas pontas dos pés até chegar a um arbusto mais próximo para que pudesse ver quem ou o quê estava em apuros.

O que ela viu? Bem, nem Sofia poderia dizer. Afinal, pelo que ela pôde analisar, nenhum dos mais de 200 animais que ela conhecia tinham características parecidas com as do que estava vendo ali, bem à sua frente.

Para começar, era um bichão enorme, devia ter o dobro do tamanho do seu pai, que era beeeeeeeeeeeeem grande. Tinha perninhas pequenas, e uma boca enorme. Sofia calculou que ela caberia inteirinha naquela bocarra. Ah, e Aquilo (esse foi o nome que ela decidiu dar para aquilo) tinha escamas azuis que brilhavam mais que luzes de Natal.

Sofia se perdeu em meio a tantas cores e luzes e se esqueceu dos urros que ouvira. Ela observou com mais cuidado e viu duas das pernas d’Aquilo presas sob um tronco de madeira.

A garota de tênis vermelhos cobertos de lama estava tremendo de frio e de medo. Ao mesmo tempo, ela precisava fazer alguma coisa. Com as luzes das escamas, ela enxergou um galho e tentou fazer uma alavanca (Sofia aprendeu na internet que é mais fácil mover coisas pesadas usando uma estaca e colocando-a sob o objeto), enfiou o galho embaixo do tronco e tentou levantar com toda a força que ainda restava em seus músculos. Um…, dois…, TRÊS! O tronco nem se mexeu e Aquilo urrou tão alto que Sofia ouviu um zumbido por alguns minutos.

Mais uma vez, Sofia tentou levantar o tronco e nada aconteceu. Ela desejou que, se ainda existissem estrelas, elas lhe dessem o poder de aliviar a dor d’Aquilo. Sofia tentou levantar o tronco e, mais uma vez, ele se manteve imóvel. Só que dessa vez nem um gemido sequer foi ouvido. Ela olhou nos olhos d’Aquilo e viu eles se fecharem aos poucos.

Sofia fez o que pôde. Cansada, triste e perdida, suas lágrimas caíram nas escamas d’Aquilo e, antes de suas luzes se apagarem, elas se uniram em um feixe de luz e guiaram Sofia para fora do bosque. Ela seguiu como seguira aquele vaga-lume horas antes.

A menina correu. No bosque, uma luz se apagou para muitas outras se acenderem no céu.

Sofia contou a história d’Aquilo para seus pais. Como era de se esperar, eles falaram tanto que até ela começou a achar que era tudo invenção de sua cabeça.

Mas, naquela noite, antes de ir dormir, Sofia olhou para o céu e viu estrelas.

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